O STJ E OS NOVOS CRITÉRIOS DE RECONHECIMENTO PESSOAL

Em 27 de outubro de 2020 foi concedido habeas corpus para absolver o paciente Vânio da Silva Gazola – HC 598.886-SC – acusado de roubo e condenado com base no reconhecimento de pessoas. Em suas conclusões, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), com a Relatoria do Ministro Rogério Schietti Cruz, estabeleceu diretrizes para que o reconhecimento de pessoas possa ser considerado válido. Este julgamento foi recebido com entusiasmo por juristas brasileiros, dado que o reconhecimento de pessoas é uma prova muito frequente no processo penal, mas comumente realizado de forma pouco rigorosa, o que pode levar à condenação de inocentes.

Em seu voto, o Ministro Sebastião Reis Júnior afirma que

“[…] não vejo mais como endossar a desobediência de formalidades impostas pela nossa norma processual sob a justificativa eterna de que o Judiciário (e aqui no caso a nossa polícia) não tem estrutura humana e matéria para tornar efetiva a letra da lei.”

E seguiu admitindo a sistemática violação das regras contidas no artigo 226 do Código de Processo Penal: “a exceção se tornou regra. […] Não me lembro, […] nestes quase dez anos de Tribunal, de ter visto um único processo onde as normas citadas foram cumpridas.” A Ministra Laurita Vaz também deixou clara a necessidade de maior critério na observância da legislação atinente a essa forma de prova colhida pela autoridade policial.

A decisão do habeas corpus se deu, em parte, pautada por preceitos científicos da Psicologia do Testemunho, área do conhecimento que visa entender, dentre outros tópicos, fatores que podem levar a um falso reconhecimento (i.e., inocente ser reconhecido por crime que não cometeu), e quais procedimentos podem prevenir tais erros de justiça.

Pesquisas empíricas têm demonstrado a dificuldade prática para a sua demonstração e, consequentemente, a tímida observância da ocorrência de Falsas Memórias ao longo do processo de criminalização. Porém, neste julgado, o Ministro Nefi Cordeiro reconhece que “a Falsa Memória é grave risco à prova penal, especialmente relevante no reconhecimento de autores do crime, onde a emoção, o tempo e lapsos espontâneos levam ao erro, apenas aumentado em sucessivos reconhecimentos.”

A decisão do STJ é um aceno para que procedimentos de reconhecimento possam se pautar em critérios científicos para prevenir o falso reconhecimento, e estabelece a necessidade de um padrão mínimo para que o reconhecimento de pessoas seja aceito como prova. Com base nos achados da Psicologia do Testemunho apontamos algumas reflexões sobre as conclusões do STJ, para ao final dialogar sobre próximos passos importantes que possam aprimorar os procedimentos realizados para o reconhecimento de pessoas no nosso país.

Em suas conclusões no respeitável acórdão, os eminentes Ministros, determinam que:

 1) O reconhecimento de pessoas deve observar o procedimento previsto no art. 226 do Código de Processo Penal, cujas formalidades constituem garantia mínima para quem se encontra na condição de suspeito da prática de um crime;

 2) À vista dos efeitos e dos riscos de um reconhecimento falho, a inobservância do procedimento descrito na referida norma processual torna inválido o reconhecimento da pessoa suspeita e não poderá servir de lastro a eventual condenação, mesmo se confirmado o reconhecimento em juízo;

 3) Pode o magistrado realizar, em juízo, o ato de reconhecimento formal, desde que observado o devido procedimento probatório, bem como pode ele se convencer da autoria delitiva a partir do exame de outras provas que não guardem relação de causa e efeito com o ato viciado de reconhecimento;

 4) O reconhecimento do suspeito por simples exibição de fotografia(s) ao reconhecedor, a par de dever seguir o mesmo procedimento do reconhecimento pessoal, há de ser visto como etapa antecedente a eventual reconhecimento pessoal e, portanto, não pode servir como prova em ação penal, ainda que confirmado em juízo.

Por derradeiro, determinam que:

Dê-se ciência da decisão aos Presidentes dos Tribunais de Justiça dos Estados e aos Presidentes dos Tribunais Regionais Federais, bem como ao Ministro da Justiça e Segurança Pública e aos Governadores dos Estados e do Distrito Federal, encarecendo a estes últimos que façam conhecer da decisão os responsáveis por cada unidade policial de investigação.

 A decisão HC 598.886-SC do STJ denota um momento importante para o processo penal brasileiro, uma vez que se debruça sobre o tema do reconhecimento e aponta para um caminho importante a ser seguido, ao utilizar evidências científicas para garantir um procedimento mais justo. Dada a relevância desta jurisprudência, apresentamos considerações do ponto de vista da Psicologia do testemunho, a fim de incentivar este debate tão necessário sobre o reconhecimento de pessoas para tornar este procedimento uma prova mais justa e confiável.

Referências:Cecconello, William Weber; Stein, Lilian Milnistky; Ávila, Gustavo Noronha de. Novos rumos para o reconhecimento de pessoas no Brasil? Perspectivas da Psicologia do Testemunho frente à decisão HC 598.886-SC. Revista Brasileira de Ciências Criminais. vol. 177. ano 29. p. 359-368. São Paulo: Ed. RT, mar. 2021. Disponível em: <http://revistadostribunais.com.br/maf/app/document?stid=st-rql&marg=DTR-2021-1978>

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